REPRESENTAÇÃO DA DOR: Apropriação e evocação icónica dos media.
03 de dezembro a 31 de dezembro
Perante o dilúvio imenso de imagens mecânicas de dor (fotográficas e fílmicas) que constantemente assola as nossas vidas, olhamos a maior parte das vezes para elas com desinteresse quando na realidade nos deveriam fazer parar e fazer refletir, mais que não fosse, sobre qual o nosso grau de responsabilidade, enquanto cidadãos do mundo, no contributo que prestamos à manutenção do ‘status quo’ que convive passivamente com as arbitrariedades evidenciadas nas imagens das notícias, como por exemplo, a guerra, a tortura, a morte, a violência, as injustiças sociais, o racismo, etc., e que tanto fazem sofrer seres humanos como nós que se encontram perto ou em locais distantes dos que habitamos neste mundo cada vez mais globalizado.
Estas imagens surgem frequentemente em contextos que as tornam reféns das notícias veiculadas pelos media onde ficam niveladas, em grau de importância, com outro tipo de imagens que as contaminam visualmente (contribuindo seriamente para a sua banalização) nas páginas de um jornal, de uma revista, numa página digital na internet, num telemóvel: imagens de publicidade, de eventos de entretenimento, de propaganda política, de desporto, etc.
Como contribuição para uma reflexão/reformulação das imagens de dor veiculadas pelos media, decidiu-se aprofundar as possibilidades da pintura através da realização de projetos práticos de pintura. Para isso optou-se pela apropriação de imagens de dor (fotográficas e fílmicas) divulgadas pelos jornais, revistas, televisão, internet, etc., e o seu “cruzamento” com imagens originárias do passado da cultura visual ocidental (pintura, escultura, desenho, gravura, etc.), recuperando o estatuto do quadro/tableau e a sua aproximação à “forma-quadro religioso”¬ – derivada de arquétipos formais do retábulo de altar cristão – procurando deste modo “densificar” a imagem de dor e aumentar a sua “duração” e “presença” perante o espectador-recetor. Com a utilização do “formato-quadro religioso” em conjugação com a acentuação formal figurativa de “reminiscências” da iconografia cristã da dor, na elaboração dos projetos de pintura, pretendeu-se: 1) Contextualizar imagética de dor (fotográfica e fílmica) apropriada dos media, no seio da densidade histórica da arte ocidental; 2) Operacionalizar relações de semelhança entre imagens de dor de épocas históricas diversas acentuando a “intemporalidade” de certas formulas expressivas; 3) “Libertar” as imagens de dor dos media de algumas das amarras que as subjugam à indiferença dos espectadores contemporâneos: “recorta-las” do “real” das notícias de modo a encontrarem uma nova “vida” através da pintura.